No seu romance de estreia S.J. Watson apresenta ao leitor uma obra que aborda as questões do que é ser-se humano. A história segue a vida de Christine, uma mulher cuja vida se vê alterada e cuja memória é apagada a cada 24 horas. A personagem vê-se assim acordar para cada dia como se fosse o primeiro da sua vida (no momento em que tem 22 anos) ou seja, sem qualquer referencial das suas vivências anteriores.
Ao questionar a memória e a incapacidade da personagem a reter, Watson obriga-nos a questionar o que é humano e o que de facto dá sentido à existência. De facto, podemos argumentar que a vida do humano é pautada pelos acontecimentos que vive, o que sente e acima de tudo como os recorda, pois em última análise tudo é presente e o futuro não é mais do que um conjunto de projecções do passado num tempo vindouro. Tudo o que é deixado da vida são memórias e mesmo essas tendem a desaparecer no tempo.
No entanto é justamente essa possibilidade de transmissão de conhecimentos adquiridos às gerações vindouras e consequentemente uma espécie de imortalidade simbólica que permitiu a sobrevivência e evolução da espécie humana. Esta memória contextualiza toda a existência do humano e dá-lhe rumo e sentido.
Christine acorda todos os dias sem esse sentido, uma imagem em espelho de Funes, o homem que nada esquecia. Se este tinha ao seu dispôr todo o manancial de informações, era igualmente esmagado pela sua capacidade. Já Christine acorda todos os dias para um vazio que apenas se vai preenchendo à medida que guarda as informações acerca da sua vida num caderno de apontamentos.
Não são de estranhar aqui as semelhanças entre a obra e o filme "Memento" de Christopher Nolan, onde a personagem principal é também acometida de amnésia e as únicas recordações que retém são as que tatua no seu corpo de dia para dia.
De facto os dilemas de ambas as personagens são similares: sem qualquer tipo de referencial sentem-se perdidas e estranhas num mundo que desconhecem e com o qual não conseguem interagir sem o auxílio de um interlocutor que contextualize a sua acção.
Curiosamente, tanto na obra de Watson como na de Nolan, o interlocutor assume um papel que condiciona da existência das personagens: sem eles estão completamente perdidos e só através deles o mundo tem algum sentido, pelo menos até isto ser colocado em questão pelas próprias
referências das personagens (o diário que Christine mantém).
Posto isto, não deixamos de imaginar se este livro não é uma alegoria ao próprio crescimento humano em que a palavra dos pais é tudo o que baliza o mundo e que só há medida que a criança vai construindo o seu sentido do mundo é que verdadeiramente assume a sua condição humana e o controlo do seu destino.
Autor: S. J. Watson
Editora: Civilização Editora
Páginas: 344
Género: Thriller
Já li o livro e gostei muito, penso publicar uma nota também no meu blog: http://falcaodejade.blogspot.com
ResponderEliminarAbraço