sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Um Caso Perdido (Colleen Hoover)

Um Caso Perdido parece-se, durante mais de metade da sua duração, com mais um romance principalmente dirigido a um público adolescente.
Talvez até seja, na sua totalidade, um livro apontado a esse público adolescente. Mas o seu conteúdo exige um acompanhamento emocional para esse público, pois é capaz de chocar até os leitores adultos.
Esta história de Amor entre Sky e Holder acontece num contexto interessante em que são ambos desajustados que estiveram afastados do contacto social normal e que se atraiem.
As reputações de ambos são do pior que podem ser, embora não sem o seu quê de exagero, e as dúvidas de um perante o outro colocam-se, ainda que o desejo imenso (o Amor define-se mais tarde no livro) impeça que reflictam sobre a sua situação juntos.
A atracção de Holder por Sky tem algo de obsessivo e pouco saudável, tal como o distanciamento emocional dela tem muito de trauma silenciado, como se confirma quando o Passado conjunto de ambos se revela.
Não é difícil adiinhar o quanto estes dois vão viver intensamente em conjunto, tal como não é difícil adivinhar qual é o grande segredo que paira sobre a vida deles.
Mesmo assim o leitor não consegue deixar de ser guiado pelo uso que a história vai fazendo das emoções mais extremadas e que contagiam com facilidade e intensidade.
Este é um livro que se impõe, precisamente, pelas emoções que transmite, em doses iguais e gigantes de encanto e horror perante o que os seres humanos são capazes de fazer.
Só que essa manipulação tem um limite de aceitação e acaba por levantar dúvidas importantes acerca daquilo que a autora fez com os temas que escolheu.
O seu uso do abuso sexual de menores como reviravolta, primeiro, e tópico de união reforçada entre o casal de adolescentes, depois, tem muitos momentos duvidosos. E isso talvez seja dizer o mínimo.
Falta ao livro um aspecto didáctico acerca de como procurar ajudar alguém que sofreu um trauma tão grande.
Não era necessário que a autora abdicasse da ficção ou do romance entre as personagens para o fazer, bastaria que não escrevesse como se o Amor fosse o suficiente para resolver qualquer problema sem auxílio de formas de terapia ou acompanhamento psicológico.
Até mais do que o amor, a autora faz do próprio sexo uma ferramenta sem grande apego emocional que permite usá-lo como paliativo.
A meio do desespero que Sky sente ao recuperar as suas memórias traumáticas, ela decide que tem de fazer sexo com Holder naquilo que vai ser a sua primeira vez. Depois do pai se ter matado à sua frente e ela ter lavado pedaços do cérebro dele do cabelo ela decide que tem de fazer sexo com Holder.
O sexo como substituto da raiva no primeiro caso. O sexo como substituto do horror, no segundo caso.
Se a ideia era que a personagem feminina tomasse as rédeas da sua sexualidade depois de ter sido privada dela, então não funciona.
Emocionalmente a personagem nunca se mostra preparada para compreender o acto sexual, muito menos para o consumar.
A solução narrativa de que o sexo resolve tudo, versão moderna de "o amor pode tudo", é uma grave limitação da autora.
Como escritora e, talvez ainda mais importante do que isso, como antiga assistente social, não me parece que Colleen Hoover queira validar que a recuperação traumática acontece quase num passe de magia e quase sem esforço. Muito menos tornando o sexo nesse passo de magia.
Simplificação grosseira apenas para que o romance entre os dois protagonistas siga adiante e, mais grave do que isso, um total irrealismo que não faz sentido quando a segunda metade do livro explora em realismo gráfico explícito o sexo, seja "bom" ou "mau".
Não quero com isto dizer que Colleen Hoover não seja uma escritora com muitos talentos, talvez o mais interessante o de conseguir dar às palavras românticas força poética com credibilidade, mas aqui falhou de forma tremenda ao ir demasiado longe no tratamento dos abusos infantis sem deixar de estar a escrever o tal romance onde o amor é bem sucedido contra tudo e contra todos.




Autor: Colleen Hoover


Editora: Topseller


Páginas: 352


Género: Romance

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Viagem ao Fim do Coração (Ana Casaca)

Este é um livro que orbita em torno da doença que é o cancro e, no entanto, é difícil dizer que é um livro sobre esse tema.
A sua frontalidade - que por vezes parece conter um toque de brutalidade apenas porque os tópicos assim o ditam - trata tanto dos temas que nos despertam as melhores emoções como dos que nos despertam as piores.
Cancro, violência, dedicação, sacrifício, superprotecção e Amor (assim mesmo, com letra maiúscula e em todas as suas formas).
Costuma dizer-se que há livros que são uma montanha-russa de emoções e este é um deles, certamente, um resumo de tudo o que a vida contém em capítulos muito intensos.
Capítulos que vão passando de voz em voz entre Luísa, Pedro e Tiago.
Luísa é a grande sofredora deste livro. Pedro o seu irmão e Tiago o seu companheiro e ambos lhe vão demonstrar que ela é também uma afortunada, em certa medida.
São importantes as mudanças de perspectiva para compreender como se reage a tão intensa doença sofrendo dela ou acompanhando quem dela sofre.
A compreensão do difícil que é conciliar todas aquelas visões do momento que se está a viver é importante para perceber como as pessoas podem sucumbir à pressão da realidade, mas ainda mais importante para perceber o quanto as personagens do livro, sobretudo Pedro, são capazes de descobrir e dar de si em favor dos outros.
As três personagens tornam-se muito vívidas e interligadas na nossa mente ao longo dos capítulos, mas há também uma sugestão de que Tiago está sempre ligeiramente de fora em relação à intimidade maior dos dois irmãos.
Isso é sugerido em grande parte pelo seu ser o único testemunho que não é feito na primeira pessoa e faz sentido na história porque o seu percurso de infância é precisamente o oposto da de Luísa e Pedro, embora os resultados práticos se aproximem: os três acabaram por ter de arrancar as suas próprias personalidades das prisões em que os seus progenitores os colocaram.
Tiago conquista o seu lugar no espaço das relações dos dois irmãos por tudo o que faz, para além de pelo próprio Amor que sente e faz sentir.
Mas está de certa forma sempre a olhar de fora para dentro, no que torna ainda mais complexo o retrato que Ana Casaca criou num trio de relações que costuma ser muito propício para a ficção.
Como esse triângulo surge depois da autora ter relatado as infâncias dos três, a verdade é que as relações são mais credíveis à conta de composições que vêm dos momentos mais marcantes da vida, as grandes impressões que vêm desde a infância e das escolhas precoces que as crianças têm de tomar.
Luísa é, em todos os aspectos mas nesse ainda mais intensamente, marcante pelo que fez pelo irmão mais do que por ela própria.
Podem ser os pequenos momentos, como o encontro na praia que lhe revelou o amor, que deixam uma lembrança agradável sobre a vida, mas são as decisões temerárias que definem rumos.
E o rumo dela traça depois o rumo deles. A decisão que ela outrora tomou leva-os a todos à maneira como enfrentam o cancro que é apenas uma mais adversidade e nunca altera o que eles são ou querem ser.
Estas personagens crescem e superam-se perante nós e conquistam-nos. Visto que a história é baseada em relatos reais, espero que as verdadeiras pessoas por detrás da ficção sejam igualmente marcantes para quem as conhece e, sobretudo, que recebam muito mais da Vida!





Autor: Ana Casaca


Editora: Guerra & Paz


Páginas: 328


Género: Romance

terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Segredo dos Tudor (C. W. Gortner)

Em O Segredo dos Tudor somos levados a encarar a famosa corte Inglesa pela perspectiva de Brendan Prescott, um personagem que fala de si mesmo como sendo tão banal que seria tão pouco notado como a chuva.
E, no entanto, é um personagem capaz de nos fascinar e para quem essa falta de atributos distintivos será muito útil.
Afinal a sua história será uma de verdadeira espionagem, numa altura em que as maquinações em torno de tal actividade pareciam começar a ganhar forma com novos conceitos e estratagemas.
O melhor é que a sua deambulação pela Corte, com fidelidades sempre em mudança consoante a força de quem tivesse o poder, servem os intentos de quem à época procurava definir (ainda) a sucessão de Henrique VIII, mas também servem os intentos do próprio Brendan.
Ele luta ao mesmo tempo pela descoberta do seu próprio mistério, um que vem desde a sua infância e que já lhe custou muitas dores.
Isto permite a Gortner ligar a ficção e a História de forma quase indestrinçável, tendo a liberdade de usar o ficcional Brendan como ponto de união entre diversas personagens reais.
Mais ainda faz com que o livro seja muito mais um livro de espionagem cheio de reviravoltas inesperadas e mistérios continuadamente em suspenso. Isto ao invés de ser mais um relato de um período histórico que conhecemos muito bem.
Todos os interessados sabem já como o poder foi mudando de mãos entre os filhos de Henrique VIII, pelo que o autor ao evitar recontar tudo isso mas usando-o como um vivo cenário de onde retira saborosos detalhes que afectam as suas criações consegue fazer-nos acreditar que esta história poderia ter acontecido discretamente pelo meio de outras intrigas mais ferozes e lembradas.
Até porque a perspectiva de Brendan Prescott sobre a corte é "fresca", de um recém chegado alheado de quase tudo. Mas vai evoluíndo de tal forma que ele quase se confunde com quem nela se sentava há anos.
A personagem ganha volume e torna-se muito credível e vai conquistando e reconquistando o leitor também porque acaba por proporcionar novas perspectivas sobre algumas figuras já muito trabalhadas por muitos outros romances históricos - dos quais este se distingue de forma muito clara, diga-se!
O autor trabalha todos estes elementos com uma escrita que vive da formalidade prática. Ao mesmo tempo que sugere uma aproximação ao estilo linguístico do século XVI mantém uma vivacidade moderna. Nessa combinação consegue captar a atenção do leitor e, mais do que isso, o seu devoto prazer.
Uma linguagem perfeita para estar ao serviço de um livro onde o suspense e a acção intensa se equilibram para proporcionar uma "montanha-russa emocional" que é tudo o que se quer de um livro do género.
A combinação é excelente e merece a leitura de todos, mais ou menos afoitos para o Romance Histórico. Cá esperamos os próximos volumes!




Autor: C. W. Gortner


Editora: Topseller


Páginas: 352


Género: Romance Histórico / Mistério