terça-feira, 14 de setembro de 2010

À conversa com Linda Gillard (parte 1)

Depois de Linda Gillard ter deixado um comentário na crítica que fiz ao seu livro Os Laços que nos Unem, contactei-a para agradecer e para lhe perguntar como tinha conseguido perceber português.
A partir daí iniciámos uma troca de emails que terminou numa pequena entrevista da qual podem ler a primeira parte agora.
Amanhã terão o resto e, até ao final da semana, haverá uma surpresa.
Espero que gostem do que vão ler!


- Quando e como é que descobriu que queria ser escritora?
- Eu sempre escrevi e sempre adorei as palavras. Antes do email eu costumava escrever muitas cartas. Em criança fazia pequenos livros e bandas desenhadas! Eu treinei para actriz, mas também trabalhei como jornalista durante 12 anos, nessa altura tive os meus filhos e voltei a estudar para ser professora. Comecei a escrever ficção, apenas para ocupar o meu tempo, quando estava a recuperar de uma crise de nervos que me fez desistir de ensinar. Nunca pensei que a minha história (Os laços que nos unem) encontrasse alguém para ser editada. Escrevi-a apenas para mim mesma.

- De onde retira as ideias para os seus livros?
- Das pessoas, sempre. As personagens vêm primeiro. Maioritariamente uma heroína, mas por vezes é um protagonista. Não planeio muito os meus livros, apenas começo com uma pessoa ou par de pessoa e depois pergunto a mim mesma uma grande quantidade de questões. “Então e se…?”. Com Sonhar as Estrelas quis explorar a ideia de um herói imaginário (como uma criança tendo um amigo imaginário). Perguntei a mim mesma em que circunstências poderias não saber se um homem realmente existe? Ocorreu-me que se fosses cega, um homem seria apenas uma voz até lhe tocares e uma voz podia ser uma alucinação. Então decidi tornar a protagonista de Sonhar as Estrelas cega de forma a fazer o leitor interrogar-se se o herói não seria apenas imaginação da protagonista! Então turnou-se um livro em grande parte sobre a cegueira. Mas não foi assim que eu o iniciei.

- Muitas das suas histórias são sobre vidas trágicas. É uma forma de lidar com os seus próprios problemas?
- Eu penso que toda a escrita é, de uma certa forma, terapêutica. Claro que comecei a escrever de forma a lidar com os meus problemas. Estava a juntar os bocados da minha vida depois da minha crise e muito disso foi para Os Laços que nos Unem, mas nenhum dos meus livros é autobiográfico. Até agora escrevi 5 romances em 10 anos e descobri que escrever me ajudou a lidar com tempos difíceis, como a morte do meu pai. Os dois romances publicados em Portugal têm mensagens positivas e tento sempre escrever histórias que dêem esperança às pessoas, que as ajuda a continuar em frente.

- Durante grande parte da sua vida viveu em ilhas.De que forma essa vida e o cenário envolvente influenciou a sua escrita?
- Sou inglesa mas vivi na Escócia durante anos. Adoro as ilhas escocesas. Eu vivi na ilha de Skye durante 6 anos e eu também tinha uma casa na ilha de Harris. Agora vivo na ilha de Arran. Eu tentei a vida citadina em Glasgow durante um par de anos mas eu não conseguia habituar-me. Cheguei à conclusão que viver numa ilha é importante para mim. Preciso de estar perto do mar e preciso de paz e sossego – idealmente silêncio – de forma a escrever.
A paisagem é importante para mim e constitui uma parte importante dos meus livros. Sonhar com as Estrelas e Os Laços que nos Unem passam-se ambos em ilhas que conheço bem (Skye e North Uist) e a ilha ela própria é uma personagem da história.


- Quais são os seus escritores favoritos e em que aspectos é que eles mais influenciaram a sua escrita?
- A minha escritora favorita é Dorothy Dunnett, a autora escocesa de Ficção Histórica e penso que ela me influenciou um pouco. Também adoro Georgette Heyer. O seu uso do diálogo e humor impressionaram-me muito. Ela ensinou-me que um herói divertido pode ser sexy! Penso que também fui influenciada pelos livros de românticos de suspense de Mary Stewart. Eu descobri-os quando era uma adolescente nos anos 60 adorei-os desde logo. Os cenários são muito importantes nos livros dela. (Por vezes é uma ilha grega.) Estou certa que foi a Mary Stewart que me ensinou que um lugar pode ser outro “personagem” da história.
Antes de ser escritora foi actriz. Como é que a sua experiência no teatro a ajuda como escritora? Sente que tem maior ligação às personagens por ter sido actriz?
Sabias que muitas mulheres que escrevem ficção foram actrizes? Penso que se foste actor desenvolveste um bom ouvido para os diálogos. Sabes como as pessoas falam e sabes que as pessoas falam de maneiras diferentes. (Irrito-me com romances onde todos soam ao mesmo, independentemente da idade, género ou origem.) Como actor estás familiarizado com contar uma história através de diálogo. Eu penso que isto ajuda a escrever romances mais vivos que nos obrigam sempre a virar mais uma página. Penso que, de certa forma, escrevo as minhas personagens como papéis para actores. (Muitas vezes tenho actores específicos em mente quando estou a escrever.) Escrevo muitos diálogos e sinto que é muito fácil para mim fazê-lo.
Penso que tenho uma profunda conexão com os meus personagens – tanto os homens como as mulheres – e penso que, talvez, isso esteja relacionado com o meu passado na interpretação. Sinto que amo todas as minhas personagens, mesmo as menos simpáticas. É como se fossem meus amigos ou familiares. Representar ensinou-me a tentar compreender a motivação de um personagem, porque pode uma boa mulher fazer uma coisa má. Como actor não podes entrar em palco e apenas representar um “vilão”. Tens de compreender as motivações pelas quais alguém recorreu ao roubo ou ao assassinato. Penso que se um escritor tem esse tipo de entendimento e compaixão torna as personagens mais satisfatórias e complexas.
As pessoas não são a “preto e brando”. Há muitos tons de cinzento. E eu acho os cinzentos muito mais interessantes que os brancos e os pretos.

- Como licenciada em Psicologia interessou-me o facto de alguns dos seus personagens teres perturbações psicológicas. Pesquisa esses problemas ou conhece alguém nessas situações?
- Ambos. Fiz muita pesquisa e conheço pessoas (incluindo eu própria) que têm passados clínicos com perturbações mentais.

- E porque se interessa por esses temas?
- No Reino Unido and há um grande stigma associado com a doença mental. Fiquei chocada quando li num inquérito que 76% das pessoas questionadas disseram que não achavam que a doença mental fosse uma doença genuína! Quando fui diagnosticada com uma ligeira tendência bipolar senti dificuldade em obter informação sobre a doença. A maioria das pessoas não sabia nada sobre ela. A depressão também é um enorme problema mas as pessoas no Reino Unido – sobretudo homens – não sentem que possam falar sobre isso. Tentam escondê-lo, o que, claro, só piora a condição.
Escrevi sobre problemas psicológicos (e sobre cuidar de pessoas com estes problemas) e sei que os meus livros já ajudaram pessoas. Tenho tido leitores que me abordam em eventos e me dizem “Não fazia ideia até ler Os laços que nos unem que o que se passava de errado com a minha mãe/marido/irmã era uma desordem bipolar”. Uma mulher, cujo marido bipolar tinha cometido suicídio, disse-me “Agora quando quero que alguém saiba como é viver com a doença bipolar, dou-lhes o seu livro”. Uma adolescente escreveu-me para me dizer que após ler Os laços que nos unem tinha conseguido parar de se auto-mutilar (cortar-se) e tinha começado a escrever poesia.


- De todos os seus personagens, com qual se identifica mais?
- Estranhamente, identifico-me mais com os meus heróis do que com as minhas heroínas! Suponho que o personagem com quem me identifico mais é Calum, o professor de Os laços que nos unem. O modo como ele ensina é o modo como eu ensinava. Ele é o tipo de professor que eu era e ele fugiu da cidade para uma ilha, como eu.


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