segunda-feira, 21 de junho de 2010

À conversa com Cassandra Clare (parte 1)

Começámos por falar um pouco com a Cassandra sobre os aspectos turísticos da sua viagem a Portugal.

- O que acha de Portugal, até agora?
- Bem, eu apenas estou cá há um dia mas acho que é muito bonito. Até agora provei muito boa comida, mas acho que ontem, quando cheguei, era feriado?

- Ontem era Domingo.
- Eu caminhei um pouco e não havia ninguém na rua e então pensei "Ninguém vive em Lisboa". (risos)

- Aqui a zona é mais de lojas e hotéis...
- Pois, eu é que não sabia isso, pois não fui eu que fiz as reservas.

- E as pessoas têm andado ansiosas por um pouco de Sol para irem à praia...
- Ah, claro! Mas estava tudo tão sossegado que até me deu um pouco de medo. (risos)

- Então ainda não viu nada das zonas turísticas?
- Não, tenho estado a dar entrevistas desde manhã.

- E terá tempo para ver alguma coisa?
- Sim! Tenho entrevistas hoje e amanhã mas pedi para ter dois dias extras para ver Lisboa e o último jornalista com quem falei disse que tenho de ir a Sintra por ser muito místico.


Depois entrei logo naquilo que verdadeiramente me levou à entrevista e que trouxe a autora ao nosso país, a sua obra.

- Li numa outra entrevista que teve a ideia para a história num salão de tatuagens. Pode dizer-me exactamente como isso aconteceu?
- Uma amiga minha é artista de tatuagens e quando me mudei para Nova Iorque ela levou-me ao seu salão para me mostrar os seus designs e eu perguntei-lhe sobre o seu significado e ela disse-me que eram baseados nas mais antigas tatuagens que conhecemos e que eram usadas por guerreiros de civilizações antigas, que acreditavam que os tornariam fortes e indestrutíveis.
Foi aí que tive a ideia de actualizar essa história, pois ainda usamos tatuagens, e pensei em guerreiros modernos que usam tatuagens mas que, neste caso, resultam realmente.

- E tem alguma tatuagem?
- Não, não tenho tatuagens, tenho medo de fazer uma, o que é engraçado pois os meus livros estão cheios de pessoas cobertas de tatuagens.

- Alguns dos seus cenários, como a Cidade de Ossos, Cinzas e Vidro, fazem-me pensar num estilo um pouco surrealista. Como tem ideias para eles?
- Tive a ideia para a Cidade dos Ossos nas catacumbas de Paris. É uma cidade literalmente feita de ossos.
Vi a Necrópole, a cidade dos mortos, e comecei a pensar como seria tê-la como parte da civilização, com um sentimento muito espiritual, então eu comecei a imaginar a Cidade dos Ossos de forma a ter um aspecto similar mas com um sentimento mágico e estranho, que acho que é o que o torna surreal.

- As suas personagens inspiradas em pessoas que conhece?
- Às vezes sim. Clarey é inspirada na minha amiga que desenha tatuagens, também é muito pequena mas muito teimosa e destemida. Já a vi esmurrar um homem. Sempre achei que seria muito divertido escrever uma personagem que era muito petite mas muito dura.
O Simon, o melhor amigo dela, é um pouco inspirado no meu melhor amigo.
Eu acho que, por vezes, retiras pedaços de pessoas que conheces e combina-los para criar novas personagens.
O único que diria não ser baseado em ninguém que eu conheça é o Jace.

- A maioria dos autores, tirando, por exemplo, o Jorge Luís Borges que escrevia a partir apenas da sua própria mente, escrevem a partir do que conhecem. É difícil escrever a partir do abstracto?
- Bem, dizem que o Marcel Proust vivia como recluso num quarto e escreveu tudo a partir da sua imaginação.

- Eu usei Borges como um exemplo...
- Um bom exemplo!

- E também o Calvino.
- Exactamente o que ia dizer!
Mas é por isso que as suas histórias perduram, eles escrevem histórias sobre o processo de contar histórias! É tudo muito interno, eles não estão a recolher grande coisa do mundo à sua volta. Torna-se uma conversa sobre a intenção do escritor e quanto isso importa.
Acho que todos pegamos em estímulos do mundo exterior, mesmo inconscientemente, e transformamos isso na nossa obra.
Às vezes olho para trás e não sei de onde uma dada imagem surgiu.

- Com qual das suas personagens se identifica mais?
- Simon.

- Porquê?
- Bem, ele é o rapaz comum, ele não tem magia ou poderes, mas tem uma grande imaginação!

- Mas depois transformou-o num vampiro...
- Bem, identifico-me até um certo ponto. (risos) Depois disso...
Ele é uma vampiro relutante. Ele não quer ser vampiro, quer ser um rapaz comum.
Quando primeiro o encontramos, ele é o único que é uma pessoa normal e ele tem uma enorme imaginação.
Sempre sonhou que haveria magia e vampiros e lobisomens à solta, e quando ele descobre isso fica muito excitado. E eu sempre achei que se descobrisse isso não teria medo ou raiva, mas ficaria contente e excitada!

- E qual é a sua favorita?
- Não tenho uma personagem favorita, pois isso é como perguntar que filho se ama mais, mas a personagem mais divertida de escrever é Magnus Bane, pois ele está sempre em festa. (risos)

- Claire é uma jovem que, perante os desafios da sua vida, é forçada a tornar-se independente muito nova. Vê-a como modelo para as suas leitoras adolescentes?
- Eu espero que as minhas leitoras adolescentes não tenham de enfrentar esse género de perigos, mas espero realmente que a Claire seja o modelo de uma rapariga forte que não precise de ser salva por um rapaz. Ela é que está sempre a salvá-lo a ele.

- Num certo ponto da história entre Claire e Jace eles acreditam estar a partilhar um amor incestuoso. Considerou a possibilidade de os tornar realmente irmãos?
- Apenas ocasionalmente quando recebia cartas de pessoas a dizer "Estou tão zangada que Claire e Jace sejam irmãos e nunca mais vou ler os seus livros!" e então dizia "Talvez os faça mesmo irmãos"! (risos) Mas eu já sabia que eles não eram.
As pistas estão todas lá desde o início. Claire tem um irmão, se não é o Jace tem de ser alguém, daqui que surja Sebastian.

- E como teria terminado o romance se eles fossem irmãos?
- Fugir juntos? Hum...
A ideia da história surgiu-me porque li um artigo de jornal sobre duas pessoas que estavam apaixonadas e iam casar, mas nos EUA tem de se fazer um teste sanguíneo antes de se casar, e durante esse teste descobriram serem irmão e irmã. E eu pensei que era tal e qual uma tragédia grega!
Por isso se tivesse de os tornar irmão e irmã, provavelmente teria juntado-os por pouco tempo e depois matado um deles, porque não vejo forma de terminar essa história sem ser em tragédia.

- Disse que recebe cartas com alguma raiva. Nos EUA onde ainda há pressão de comunidades muito conservadoras, como lida com a pressão?
- Eu recebo mais cartas sobre as minhas personagens homossexuais do que sobre as minhas personagens a viver um amor incestuoso! Eu acho isso sempre muito estranho... (risos)

- Pois...
- O incesto é um tema que vai até muito atrás, até à Mitologia, muitos livros óptimos têm o incesto como tema. Terminei agora o livro A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafón que tem o incesto como tema central e há muitos livros como esse.
Acho que é um tema perfeitamente aceitável para se escrever mas acho estranho ter mais cartas de protesto quanto às minhas personagens homossexuais do que quanto ao incesto.
Mas é uma "coisa" americana.

- E no resto do mundo?
- Ninguém se importa! (risos)

- Desde que a história seja boa...
- Eles adoram as personagens homossexuais. Acabei de vir de Espanha onde dei autógrafos e as pessoas vestiam-se como elas e queriam falar da relação entre eles. Estavam contentes, ninguém tinha problemas com isso.

- Curiosamente, em Portugal, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado mas ainda há muitas pessoas descontentes a quererem anular a situação.
- Oh, não aceitem isso! Na Califórnia votaram primeiro Sim ao casamento entre pessoas do mesmo sexo mas depois repetiram a votação e o Não ganhou, então todas as pessoas já casadas permaneceram casadas mas mais ninguém se pode casar!

- Voltando aos seus livros, qual dos três gostou mais de escrever?
- O último porque foi o mais divertido. Sempre quis escrever uma grande batalha. E também é o mais romântico.

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