Continuei a falar com a autora sobre o seu percurso como escritora, como se decidiu a escrever e quais as suas influências, além de muitos outros temas relacionados com a edição e com o processo de escrita.
Uma conversa muito rica que só não se prolongou porque o tempo era, obviamente, limitado.
- Antes de ser escritora a tempo inteiro, que fazia?
- Era jornalista. Durante muitos anos escrevi sobre celebridades, filmes, entretenimento, escândalos e boatos.
- Sempre sonhou ser escritora?
- Sim, sempre quis escrever ficção, mesmo quando era aquele género de má jornalista que se tornou jornalista por achar que é mais fácil do que escrever ficção...
Bem, não exactamente mais fácil, mas escrever ficção é demorado, depois tem de se esperar ser publicado mas sem certezas e ser jornalista parece mais seguro.
Fiz isso por uns anos mas depois comecei a escrever ficção novamente, porque é o que eu faço, não podia parar.
- Quais os autores que a influenciaram para se tornar escritora?
- A minha autora favorita é Jane Austen, o meu livro preferido é Orgulho e Preconceito.
Mas os autores que me levaram a escrever Fantasia foram Neil Gaiman, Manuel Mujica Lainez, escritor de The Wandering Unicorn (El unicornio), Philip Pullman que escreveu A Bússola Dourada, J.K. Rowling com o Harry Potter e Anne Rice que escreveu as Crónicas Vampíricas que eu conheço da minha juventude.
- Porque começou a escrever Fantasia?
- Porque foi o género de livros que lia quando crescia e acho que escrevemos para o leitor ideal, o leitor na minha cabeça e eu pensei que este era o livro que eu queria ler com 16 anos e, por isso, fui criá-lo.
- O que lia em termos de Fantasia?
- O Senhor dos Anéis, As Crónicas de Nárnia - que são importantíssimas para nós, não sei se cá é igual -, muita Fantasia britânica para crianças, tudo de Neil Gaiman - era uma grande fã dele -, Angela Carter que escreveu contos de fadas actualizados e só mais tarde é que li Philip Pullman mas foi muito influente na forma como combinar religião e mitologia na Fantasia.
- Sandman também?
- Sandman foi a primeira coisa do Neil Gaiman que li, ele ainda não tinha escrito os livros. E tinha um casaco com o Sandman pintado nas costas.
- Lê muita banda desenhada?
- Sim, adoro graphic novels e é por isso que as minhas personagens são grandes fãs de banda desenhada.
Fables, Y: The Last Man, por exemplo.
- As suas personagens são um pouco similares a heróis de banda desenhada também.
- Acho que os super-homens são heróis modernos. Os Mitos Gregos eram sobre Hércules e Teseu. Agora temos histórias sobre o Homem-Aranha e o Super Homem, cada cultura tem os seus heróis.
- Como é o seu processo de escrita? Tem um horário definido?
- Não um horário em termos de horas, mas em termos de palavras. 2000 palavras por dia.
Às vezes leva uma hora, outras oito horas. Depende do dia.
- Lê outros livros enquanto escreve?
- Bem, não ao mesmo tempo! (risos)
- Queria saber se evita ler durante os períodos de escrita.
- Leio, mas tento ler coisas bastante diferentes do que estou a escrever. Agora estou a escrever o Clockwork Prince e estou a ler policiais modernos. Para não haver influências, tento ler coisas completamente diferentes do que escrevo.
- Usa música para inspiração?
- Sim, muito, pois escrevo muitas vezes em público, em Cafés, por isso uso música para bloquear o ruído. E há uma secção no meu site com a lista das músicas que ouvi enquanto escrevia cada um dos livros.
- É um processo fácil, escrever em público? Ninguém a interrompe?
- Não, em Nova Iorque estão habituados a isso. Eu escrevi todo o Cidade de Vidro num café que fica na 8th Street e tinha um grupo de amigos escritores que iam para lá comigo e sentávamo-nos o dia todo à mesa e íamos pedindo café para os manter feliz e quando o livro saiu e eu dei a primeira sessão de autógrafos, todos os que trabalham no Café vieram e trouxeram café e disseram "Sabemos que precisa de café para aguentar o dia, por isso trouxemos especialmente para si".
- Quanto tempo leva a escrever um livro?
- O primeiro é sempre o mais longo porque estás a aprender a escrever um livro. O primeiro foram dois anos e meio. Agora levo um ano a escrever cada um.
- E o processo de revisão é duro? Longo?
- Sim, quando eu digo um ano a escrever, incluo a revisão. São seis meses para escrever o rascunho e o resto do tempo para rever. Pode ser ainda bastante tempo.
- Em Portugal os autores, muitas vezes não aceitam o trabalho de revisão com os editores. Como é nos EUA?
- Não sei qual será a questão com o Ethos americano mas é muito mal visto não aceitar as opiniões do nosso editor.
A ideia é que o escritor e o editor são uma parceria e já houve editores que se tornaram famosos por ajudarem a criar obras, como o editor do F. Scott Fitzgerald, do J.D. Salinger, o editor que trabalhou com um dos nossos mais famosos contistas, John Carver.
Todos eles são também famosos pelo trabalho que fizeram com esses escritores, por isso a ideia de rejeitar a opinião do editor seria muito mal vista.
- Até que ponto funciona o envolvimento do editor?
- Quando se entrega o livro recebe-se de volta uma carta do editor que pode ter de 12 a 50 páginas com tudo o que pensam do livro, as coisas que acham boas, as que precisam de ser alteradas, os fios narrativos que precisam de ser reforçados.
E depois, em cada página há comentários do editor, "Isto é bom", "Isto não é consistente", "Isto tem de ser corrigido".
Os editores podem fazer toda a diferença num livro. Alguns editores consideram-se artistas da edição.
A minha editora nunca me pediria para alterar algo só para vender mais, mas sei que me pediria que alterasse se achasse que era chato, demasiado longo ou que não se enquadra ali. Ela convenceu-me a mover uma coisa que acontece a um personagem de um livro para outro. Ela ajuda-me muito.
- E nunca discutem?
- Sim, discutimos.
- Mas têm uma boa relação.
-Sim, claro. É considerada uma relação muito importante.
Se nós vamos ter uma reunião sobre o marketing do livro ela estará ao meu lado, pois é o livro é considerado meu e dela. Portanto se não estás a ter uma boa relação com o editor arranjam-te outro pois a ideia é ter uma boa relação entre os dois.
- Será uma diferença geral entre EUA e Europa entre a Arte como uma conjugação entre escritor e leitor e a Arte auto-suficiente, respectivamente.
- Diria que é uma ideia do Autor, a produzir completamente sozinho contra a colaboração. Aqui se calhar tem-se a ideia de uma "Visão" e ela não pode ser alterada.
Há coisas boas e más em ambas as ideias. Porque se ninguém os trava, os artistas podem mesmo "sair dos carris".
- Sente alguma diferença na sua escrita do primeiro para os mais recentes?
- Nunca se é o melhor juíz do próprio trabalho, mas claro que noto que há coisas que se tornaram mais fáceis, truques que se aprendem para enfrentar as partes mais difíceis do livro, coisas que não se devem fazer.... E oiço os conselhos dos meus amigos e isso é útil, mas espera-se sempre que o próximo livro seja melhor que o anterior.
- Quando começa a escrever um livro já sabe como a história vai acabar?
- Sim, quando começo uma série de livros já sei quantos livros serão e como a história irá acabar. E sei o início. O meio é que não.
Sabe-se onde se começa e onde se acabar, é tudo uma questão de encontrar o caminho. Há vários percursos que se podem tomar. Mas se olhar para trás para o esboço da trilogia, é muito similar à forma como ficou na versão final.
- Alguma vez tem dúvidas sobre o caminho que a história tomou?
- Acho que os escritores que só têm dois estados de alma, miserável e em êxtase. Às vezes tudo vai bem e que tudo é brilhante. Outras que tudo o que se escreveu não presta. Por isso é preciso outras pessoas que olhem para o nosso trabalho, um editor.
- Até neste ponto em que é uma autora de sucesso, sente a sua própria pressão e dúvida sobre o seu trabalho?
- Sinto mais a pressão para agradar aos meus leitores, porque quando escrevi o Cidade dos Ossos não tinha leitores e eles não tinham expectativas. Agora sinto que têm expectativas e não os quero desapontar.
Mas às vezes tens de colocar isso de lado e dizer "Eu sei o que é melhor para este livro" e isso é escrever o melhor livro que puder e colocar de lado aquilo que penso que as outras pessoas podem querer.
- Agora que é uma escritora com tantos leitores sente que tem padrões a manter ou consegue escrever apenas pelo prazer sem se preocupar com as questões comerciais?
- Bem, nem sempre é prazer, escrever dá muito trabalho. O único padrão que sinto que tenho de manter é para com os leitores de escrever o livro mais entretido que consiga.
E tenho de esperar que as pessoas gostem porque as pessoas sempre me surpreendem com aquilo que gostam mais no livro e tentar prevê-lo seria um erro.
- O que gosta mais do seu trabalho como escritora?
- Os momentos em que se escreveu alguma coisa e achamos - mesmo que estejamos errados - que temos ali algo de maravilhoso.
E também receber letras de pessoas a dizer que gostaram dos meus livros ou que eles mudaram a vida deles. É muito recompensador.
- Os seus livros são agora um fenómeno mundial. Quando começou a escrever pensou em tal sucesso?
- Não, não! Quando comecei o livro, o que era popular era o Harry Potter. E eu pensei que o meu livro sobre vampiros e demónios não era o que as pessoas estavam a ler. Mas era o que eu queria escrever.
Mas depois vendi-o e levou cerca de dois anos até à editora o lançar, porque eles compram e depois esperam por um espaço na agenda de lançamentos, e nesse período saiu o Eclipse e, de repente, o Harry Potter estava acabado e tudo o que as pessoas queriam era vampiros e lobisomens. Por isso quando o meu livro saiu era o momento ideal, pois todos queriam ler aquele género de coisas mas não havia ainda muitos livros assim.
Portanto, ter tantos leitores foi um choque e na primeira semana que saiu nem quis acreditar que entrou logo na lista do mais vendidos do New York Times. Nem o meu agente. E o meu editor ficou tão surpreso que, de início, nem notou, pois não estavam à espera. Até que, finalmente, alguém telefonou a avisar-me!
- Quão difícil foi o processo de acabar o livro até o ver publicado? E que passos foram necessários?
- Bem, comecei a escrever o livro em 2003 até ao fim de 2004. Encontrei o meu agente através de outra escritora com quem partilhava a mesa do café - o seu nome é Holly Black e escreveu a série chamada As Crónicas de Spiderwick - que me apresentou ao agente dela. Eu mandei-lhe o manuscrito, ele gostou, disse que era muito diferente e que não tinham nada com vampiros. E ele levou-o e vendeu-o. Foi um processo mais rápido do que esperava, foram aí uns seis meses desde que completei o livro até o vender.
- Que conselho dava a alguém a tentar ter uma carreira internacional como a sua?
- Diria para não tentarem seguir tendências, pois não se pode prever quando essa moda vai começar e acabar. Deve escrever aquilo que quer escrever e não se preocupar com o que é popular num determinado momento.
- O que sente de ser publicada em tantos países diferentes?
- É excitante! Gosto sobretudo de ver todas as capas diferentes!
Gostava de ir visitar todos os países onde os livros saem, apesar de por vezes não sabermos nada dos editores de lá. Eu sei que o meu livro foi editado na República Checa mas nunca vi uma cópia nem falei com o editor de lá, não sei se vendeu bem...
Aproveitei depois a já famosa frase da autora de Crepúsculo sobre o universo criado por Cassandra Clare para falar um pouco sobre a Fantasia actualmente publicada.
- Stephenie Meyer fez uma óptima crítica ao seu trabalho. Fiquei com a impressão que são amigas. É verdade?
- Isso é porque ela é muito humorada. Não quero dizer que somos amigas pois soa pretensioso, mas falámos ao telefone e email e simpatizamos uma com a outra.
Ela é uma pessoa muito simpática e divertida e fiquei muito contente quando descobri que ela gostava dos livros dos Caçadores de Sombras porque eu gostei muito do Crepúsculo e nunca terei oportunidade de lho dizer porque ela tem 90 milhões de fãs e nunca poderei falar com ela. Por isso quando consegui falar com ela foi muito bom.
- E o que acha dos livros dela?
- Acho que ela captou perfeitamente o sentimento de se apaixonar pela primeira vez, quando se tem 15 ou 16 anos e sentimos esta coisa que nos consome.
Se alguma vez o sentimos, quando lemos o livros somos levados a recordar tudo e acho isso fascinante.
- Que outros livros de Fantasia actuais recomenda para os seus leitores?
- Os Jogos da Fome, Beautiful Creatures, Sisters Red - que é uma actualização do Capuchinho Vermelho para raparigas que caçam lobisomens, muito divertido -, outro livro chamado Matched.
- Porque acha que a Fantasia Urbana tão associada ao público juvenil?
- Acho que é por incorporar tecnologia usada pelas gerações mais novas. No EUA, Fantasia Urbana está para os leitores de 40 anos e mais novos, adultos e jovens adultos. Envolve tecnologia topo de gama.
Leste o Crepúsculo, certo, no quarto livro eles têm de ir para a batalha e Edward leva o iPod. (risos)
As minhas personagens estão sempre a trocar mensagens, isto é algo com que as gerações mais novas se relacionam, enquanto que, por exemplo, os meus pais nunca mandaram nem nunca mandarão uma mensagem.
- O que torna os seus livros igualmente atractivos para uma audiência mais velha?
- Por uma audiência mais velha estamos ainda a falar de pessoas dos 25 aos 40 anos. Acho que a pessoa mais velha que já me escreveu tinha 90.
Acho que todos eles se podem relacionar com uma história sobre a entrada na idade adulta. Se se é adolescente é isso que estamos a viver no momento. Se se é adulto, é algo que ainda recordamos, que vivemos há pouco tempo.
- Fantasia é cada vez mais popular entre o público. Porque acha que é isso?
- Acho que vai e volta, em ciclos. Algo de excitante sobre escrever na Época Vitoriana foi ser uma época em que a Fantasia estava em alta com o público. Havia uma crença geral em Fadas, no Sobrenatural, em contactar Espíritos. E isso depois esbateu-se mas acabou por voltar a meio do século.
Acho que anda em ciclos, tivemos um ciclo em que estávamos muito mais interessado no realismo e agora voltamos à Fantasia.
- E a crise económica terá alguma relação com isso?
- Bem, o início deste ciclo surgiu antes da crise, com Harry Potter e o retorno a O Senhor dos Anéis, mas acho que a crise ajuda a manter este ciclo vivo, pois as pessoas aproveitam para fugir do quotidiano.