terça-feira, 26 de julho de 2011

A Rainha dos Gelados (Anthony Capella)

Anthony Capella é um autor de romances populares que tocam o tema da gastronomia e, como tal, sabe bem as tentações e as indulgências que a comida traz. De igual forma, sabe como o fantasma da comida guerreia com o nosso sentido de decoro e até mesmo de moralidade, e não é mesmo nada sincero o entusiasmo com que ele agarra na pena para abordar a emergência do gelado e outros prazeres similares nas cortes reais da França e da Inglaterra do século XVIII.
Começamos por conhecer Carlo Dimarco quando este é um mero aprendiz na arte da geladaria, mas depois observamos a sua obsessão para com o seu trabalho, a sua criatividade incomensurável e a sua auto-confiança inabalável, através das quais ele rapidamente ascende pelos patamares sociais, até atingir a posição de limonadier na corte de Luís XIV. Mas, rapidamente, os gelados de DiMarco tornam-se em algo mais do que meros prazeres do Rei-Sol, quando é enviado para o estrangeiro de forma a usar a sua arte para amaciar os humores do rei Carlos II. Todavia, Dimarco não é enviado sozinho. Com ele segue Louise de Keroualle, uma jovem que, apesar da sua linhagem imaculada, é completamente destituída e por isso uma parceira inelegível, por entre qualquer um dos seus pares. Keroualle tem também a sua própria missão e, com a sua sagacidade e o manejo fácil de armas, não demora muito até chegar ao círculo mais restrito do rei e, claro, aos seus aposentos. A isso segue-se uma pletora de descrições sublimes de gelados e de natureza quase mística, bem como de toda a decadência e ostentação cortesãs.
Há uma curiosa sensação invernosa na Rainha dos Gelados, em parte devido ao cenário e em parte devido ao objecto da obra, e Capella instila nos seus personagens e nas suas interacções uma atracção gélida. Tal como a sua sobremesa de eleição, os seus personagens também têm uma natureza (moral) bastante ambígua, e são estranhos e decadentes nas suas intenções e desejos. Capella, todavia, faz contrastar as afectações grandiosas da corte com as aspirações mais bucólicas e com as vidas daqueles que anseiam pelo regresso de uma Inglaterra sem monarquia, emparelhando elaborados sorvetes com empadas humildes, por exemplo, justapondo as despesas da corte imersa em dívidas (algo que nos faz levantar o sobrolho nos dias de hoje) com a forçada frugalidade daqueles que não se encontram entre os círculos reais e da nobreza. Capela parece deliciar-se nestes contrastes, porém, assegurando ferozmente que os subordinados moralmente inatacáveis nos parecem vitoriosos perante os seus superiores sociais, cujos esforços para se tornarem cada vez melhores resultam sempre uma perpétua e abjecta insatisfação.
É inegável que a Rainha dos Gelados é um livro rico e sumptuoso, uma sobremesa verdadeiramente superlativa, exige que se lance sem hesitações nem reservas. O amor de todas as coisas gastronómicas de Capella infunde-se em cada página deste livro, e é difícil não nos maravilharmos com alguns dos preparados que são tocados de forma exemplar, bem como com a fantástica complexidade e dificuldade da arte de doçaria neste tempo (tudo que DiMarco tinha a seu favor é que a Inglaterra parecia viver uma mini idade do gelo durante este período). Todavia, como em muitas coisas de um sabor rico, por vezes pode ser um pouco intenso demais e cansativo para o palato e, por vezes, sentimo-nos perdidos num mar de sabores familiares. Isto deve-se, em parte, ao facto do livro ser um relato re-imaginado de acontecimentos reais e à necessidade de aderir à fluidez da trama narrativa.
Apesar destas críticas, não duvidamos por um instante de que os amantes de ficções luxuriantes e opulentas (e claro, de sobremesas também opulentas) encontrar-se-ão embevecidos com um mero saborear deste livro. Muitos leitores ficarão intrigados com as curiosidades históricas que delineiam as páginas e certamente com a abordagem que Capella faz à descoberta e desenvolvimento do gelado, tal como hoje o conhecemos.




Autor: Anthony Capella


Editora: Edições Asa


Páginas: 480


Género: Romance

4 comentários:

  1. A crítica mostra-me que este é um livro... apetitoso!
    :)
    Vai para a minha lista de desejos!

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  2. Ainda bem que sentes isso.
    Boa leitura!

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  3. hum.. despertou alguma curiosidade!
    estou a ver que vou ter uma grande lista de presentes para o natal.. eheh

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  4. Ora ainda bem isa!
    Esse é o melhor elogio a uma crítica.


    Obrigada pela visita!

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