quinta-feira, 14 de julho de 2011

Memnoch, o Demónio (Anne Rice)

Este quinto volume das “Crónicas Vampíricas”, uma vez mais narrado por Lestat, figura de proa de toda a série. Todavia desta vez é o próprio diabo que lhe parece roubar a cena nesta obra de Anne Rice.
Em Memnoch, o Demónio, um homem que se diz ser o diabo visita Lestat e conta-lhe o seu lado da verdade. Ele conduz Lestat numa viagem entre o Céu e o Inferno e até ao passado - no qual o vampiro testemunha o desenrolar cósmico da história da Criação (e como podemos perceber, trata-se uma versão diferente dos acontecimentos daquela à qual estamos familiarizados – afinal é contada pela perspectiva do senhor do Mal.)
Este pede a Lestat para vir com ele e redimir as almas no Inferno para o resto da eternidade. Oferece a Lestat a salvação e o céu que ele acredita desejar desde há vários séculos e, uma vez mais, Lestat não aceita qualquer tipo de redenção. No final do livro, não sabemos se ele é realmente o diabo ou não, mas estamos sempre mais inclinados para acreditar que sim.
É um pouco aqui, neste ponto, que os romances de Anne Rice assumem uma identidade muito própria. Ele não se centram tanto sobre o enredo, a trama, mas são sim sobre os personagens e as escolhas espirituais que estão obrigados a fazer.
É um romance perfeitamente construído, atrai-nos, hipnotiza-nos, e quase que nos faz esquecer que o contexto da história é elaborada e assenta num mito, que é tão ficcional como a própria imaginação da autora. E, subitamente, tal como Lestat, saímos desse processo de encantamento, de modelação da cultura que nos envolve e caímos na realidade com as escolhas a fazer.
O livro aborda as histórias da Criação e Queda, que conhecemos pelo mundo cristão, com as conclusões muito específicas e idiossincráticas retiradas pela autora, do pináculo da sua religiosidade pessoal, do lado telúrico da mesma, vivendo ela apaixonada pelo mundo e pela insanidade da vida. Memnoch é um demónio que foi rejeitado pela sua sensualidade e capacidade de se apaixonar. Ele seduz-nos profusamente, permanece connosco sempre que encerramos o livro. É uma história sobre fé, que de muitas formas nos deixa sempre a caminhar na incerteza, exige uma entrega de nós em querer acreditar nas suas palavras. Mas no fundo a fé, é isso, não pode ser provada, requer sempre a convicção pessoal. Assim, a genialidade da obra está ligada à reviravolta dos conceitos baseados na ideologia traduzida. Não é uma história sobre o Bem e o Mal, mas sugere uma verdade, e que nunca poderemos conhecer a real verdade sobre tudo que transcende o mundo natural, incluindo Deus. E mostra-nos como todos estamos desejosos de acreditar em algo, do modo em que até mesmo Lestat tinha necessidade de acreditar.
A autora afirmou que é uma obra “atormentada por uma miríade de questões/lutas teológicas e sociológicas” e era incapaz de antecipar uma altura em que as respostas ser-lhe-iam indiferentes, ou quando saberia como resolvê-las.
Não esquecendo que se trata de ficção, é também uma fantástica metáfora da forma como a autora decidiu exercer as suas questões espirituais. Todos nós a associamos com vampiros, mas deveríamos associá-la à consciência e moral humanas. Entrega-nos, aqui, uma narrativa a partir da qual podemos explorar o conceito indelével de transformação e redenção.
Supostamente, Memnoch, o Demónio seria o fecho da série, no qual Lestat despertaria, entre aquele que ama, tendo compreendido que a salvação não é o que pretendia... As últimas palavras de Anne Rice são “Adeus, meu amor”, para o seu fascinante Lestat. Era o final perfeito para a viagem de Lestat. Todavia a série continua e acredito que isso será igualmente bom.




Autor: Anne Rice


Editora: Europa-América


Páginas: 424


Género: Fantasia

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