- O que a levou, há mais de uma década, a tornar-se uma escritora a tempo inteiro?
Estava a trabalhar num escritório, como directora de um departamento governamental, e tive várias mudanças na minha vida pessoal e cheguei a um ponto em que queria escrever – já tinha escrito muito quando era mais nova e depois tive de ganhar a vida em diversos outros trabalhos – e eu adorava a lenda dos Seis Cisnes e decidi que adoraria escrevê-la sobre a forma de um romance com personagens ricos.
Não estava a pensar ser publicada ou em tornar-me escritora, apenas me apetecia escrever essa história e foi assim que comecei.
- O que a levou para o campo da Fantasia?
Acho que, simplesmente, caí na Fantasia. Sempre adorei Contos de Fadas e Mitologia e quando comecei a escrever foi esse tipo de coisas que escrevia.
Nessa altura não lia Fantasia, apenas queria escrever algo com muita magia envolvida.
Só comecei a descobrir o género muito tempo mais tarde quando as pessoas começaram a colocar os meus livros nessa categoria.
Não houve uma intenção particular de escrever Fantasia, apenas fui escrevendo.
- Então que autores a influenciaram mais quando começou a escrever?
Portanto, não foram escritores de Fantasia, apenas bons escritores, de todos os tipos.
Adoro o trabalho de Mary Stewart que escreveu nos anos 1970 uma excelente saga sobre Merlim e, também, autores clássicos. Adoro Shakespeare e Jane Austen e vários outros autores clássicos que estudei na escola.
Mas acho que a maior influência nas minhas histórias são as histórias clássicas dos Contos de Fadas e a Mitologia.
- Como chegou ao género de ambiente de Fantasia Histórica em que insere as suas histórias?
Acho que vem, provavelmente, dos meus antepassados serem Escoceses e Irlandeses. Apesar de ter crescido na Nova Zelândia fui educada numa cidade muito escocesa, Dunedin, e enquanto criança ouvi muitas lendas dos dois países e sempre me senti confortável a explorar esses ambientes e essas fantasias.
- Tinha concluído a trilogia Sevenwaters em 2001 e em 2008 voltou à saga com o Herdeiro de Sevenwaters. O que a fez voltar?
Na verdade, foi uma exigência dos editores e dos leitores. A trilogia tinha tido tal sucesso que todos queriam mais livros desse universo.
Apesar de ter adorado escrever todos os outros livros pelo meio e nem esperasse voltar a Sevenwaters, mal comecei a escrever Herdeiro de Sevenwaters descobri que era muito fácil voltar a mergulhar nesse mundo e trazer as personagens de novo à vida.
- Porque escolheu fazer estes novos livros como companheiros da trilogia inicial em vez de expandi-la para um quinteto de livros?
Quis fazer uma história que funcionasse por si mesma. Não me queria comprometer com uma extensão particular de livros da série – queria poder fazer um ou dois ou oito ou quantos fossem – mas há uma história que atravessará três livros – Herdeiro de Sevenwaters, Vidente de Sevenwaters e mais um livro – que é a história de Cathal e MacDara.
Há uma história ao longo dos três livros e há uma história independente para cada livro.
- Diria que foi uma decisão arriscada regressar a este universo que poderá ter-se cristalizado no coração dos leitores?
Sim, suponho que foi um pouco arriscado. Haverá sempre leitores que admiram o que escrevi na trilogia e não gostarão do que escrevo agora porque, não importa quão bom seja, nunca estará à altura do que eles sentem pelos outros livros.
Tendo dito isto, sinto que isso é a minoria dos leitores e a maioria dos leitores adoraram a trilogia e queriam voltar e estão a gostar muito dos livros novos.
Algumas pessoas dizem que estes livros estão escritos de maneira diferente e que são mais curtos e eu respondo-lhes que passaram oito anos e que aprendi muito sobre escrita e não quero fazer sempre o mesmo, quero desafiar-me a mim própria.
Por isso, ainda que estes livros sejam passados no mesmo universo, eu estou a tentar algumas coisas novas. Por exemplo, em Herdeiro de Sevenwaters cedi um pouco da narrativa a uma perspectiva masculina, dividindo-a entre feminino e masculino.
- Sente-se a voltar mais a Sevenwaters do que às suas outras sagas?
Não tenho a certeza, de momento.
Estou a escrever outra saga, chamada Shadowfell, passada na Escócia antiga e muito diferente desta. E estou a gostar muito.
Tenho mais três livros para escrever e ainda não sei o que vou fazer a seguir. Deixo-me ficar aberta às possibilidades.
- Qual a personagem da trilogia que se sente mais triste por ter de deixar para trás?
É muito difícil dizer. Muitas das personagens de que mais gosto permaneceram vivas apesar de não aparecerem nestes livros.
Eu adorava Bran e Liadan, eram provavelmente o meu casal favorito. No livro que estou a escrever agora, que sucede a Herdeiro de Sevenwaters, eles surgem apenas brevemente.
Mas evitei trazer as personagens muito fortes da trilogia para os novos livros porque senti que eles roubariam o miolo da história e queria que o novo e jovem protagonista fosse a personagem central.
- Como chegou à ideia de juntar os contos de fada com a cultura Celta?
Suponho que, com o primeiro livro, não estava muito consciente do que estava a fazer. Havia aquele conto de fadas sobre os cisnes, que eu adorava, e que assentava num ambiente Celta muito bem pois a mitologia Celta contem muitas imagens de cisnes. Apesar de ser um conto Germânico, servia muito bem aquele ambiente.
Mas acho que, na altura, não pensei nisto com cuidado, apenas comecei a escrever e lá estava esta união.
- Qual é o seu método de pesquisa para estes universos?
Leio muita História mas já cometi erros, sobretudo naqueles primeiros livros, mas na altura não me apercebi que estava a escrever Fantasia e que seria tão importante que a História estivesse correcta.
Mas aprendi com os meus erros e agora leio a História dos meus cenários a fundo e leio sobre Mitologia.
Como agora vivo na Austrália tenho igualmente de estudar a paisagem, as plantas, os peixes, as Estações… Tudo sobre viver naquele clima e naquela cultura.
Só visitei a Irlanda uma vez, portanto fiz muita da pesquisa em livros, mas para os livros Escoceses já voltei à Escócia várias vezes e fiz a pesquisa no local.
- Como encontra os cenários propícios às suas histórias? A Mitologia chega primeiro ou as personagens chegam primeiro e tem depois de encontrar o espaço apropriado para elas?
É diferente para os diferentes livros. Por vezes é algo do quotidiano que faz surgir a história, uma situação sobre a qual leio, algo comum do mundo actual mas dramático e que sinto ser uma excelente base para uma história.
Por vezes é algo que leio num livro de História e outras vezes algo de um conto de Fadas ou da Mitologia.
Normalmente muitas coisas diferentes combinam-se para construir a história.
- Porque faz das suas personagens tão contemporâneas na sua mentalidade apesar de estarem inseridas numa época mais restritiva?
Elas são bastante contemporâneas em muitos aspectos. É muito difícil conseguir isso, sobretudo com Sevenwaters que se passa muito no início da Era Medieval.
No entanto, por se passar na Irlanda, como o país sempre foi muito avançado em termos do papel da mulher na sociedade e a Lei protegia a fundo a mulher – podiam divorciar-se dos maridos por vários motivos e tinham direito à propriedade –, era um cenário mais esclarecido e mais contemporâneo em termos de valores, para a época em questão.
Tenho de fazer um compromisso entre a exactidão histórica e o escrever algo que seja apropriado para as leitoras actuais, e talvez eu me incline mais para o segundo. Gosto que as minhas personagens femininas possam fazer escolhas.
Não fui ao ponto, como em muitos livros de Fantasia, de reproduzir o cenário da Europa Medieval com outro nome e ter mulheres guerreiras. Não fui tão longe, criei algumas limitações às minhas personagens femininas de acordo com esta sociedade, mas quero que elas sejam fortes.
- As suas personagens femininas têm personalidades muito fortes. Sente que tem de as usar para enviar uma mensagem às suas leitoras?
Acho que sim, que estou interessada em mostrar que as mulheres podem ser corajosas, que podem estar à altura dos desafios, viver boas vidas e ser influentes.
Algumas das minhas personagens femininas começam as histórias com muitas desvantagens, não tanto na série Sevenwaters mas certamente nas Crónicas de Bridei, sobretudo n’ O Poço das Sombras que com uma personagem que poderia perfeitamente ter desistido da sua vida e passar derrotada pelo mundo, e quis mostrar que mesmo quando as pessoas são confrontadas com situações terríveis podem erguer-se e viver uma boa vida ao encontrarem a coragem interior.
Portanto, sim, estou a mandar uma mensagem aos meus leitores.
- Sentiu-se sempre à vontade para escrever sobre sexo quando necessário. Também para quebrar tabus?
Depende… Não há muitas cenas de sexo nos meus livros comparados com os livros de outras pessoas.
Depende inteiramente da história e das personagens. Por vezes é adequado incluir uma cena de sexo, outras vezes não.
Outros escritores incluem muitas cenas de sexo e muito gráficas, eu não gosto disso em particular, pois dizer um pouco menos pode ser mais poderoso.
Há um local próprio para as cenas de sexo e eu uso-os quando é apropriado.
- As suas personagens são inspiradas por pessoas que conhece e por si própria? Que personagem te mais de si mesma?
Muito difícil responder. Provavelmente uma daquelas velhas mulheres sábias.
Não consigo pensar em nenhuma na saga Sevenwaters, apesar de haver uma contadora de histórias em Herdeiro de Sevenwaters chamada Willows, portanto talvez essa seja parte de mim. E também Frola, a mulher sábia, das Crónicas de Bridei, há muito de mim nela.
- Penso muito em si como Sorcha, por ser uma grande contadora de histórias também.
Haverá um pouco de mim em cada uma das personagens e um pouco das minhas duas filhas.
- Muitos dos seus livros falam da ideia de abnegação. É algo que procura conscientemente e para o qual está atenta no mundo actual?
Essa é uma pergunta difícil.
Acho que a abnegação é importante, mas ao mesmo tempo não quero que custe a alguém a sua vida ou a sua ideia de si mesma.
Certamente que n’A Filha da Floresta esse é o principal sentimento da personagem, porque no conto de fadas ela tem de abdicar de tudo pelos irmãos, eu não defenderia a abnegação por si mesma para praticar no dia a dia. Acho que temos de ter um balanço entre dar-nos aos outros e respeitar-nos a nós mesmos.
Odiaria pensar que alguém, no mundo real, seria chamado a fazer o que ela faz e abdicar de tanto de si.
Mas, mesmo assim, é uma qualidade admirável.
- Quando inicia um romance já tem a estrutura na cabeça ou vai criando-a à medida que escreve?
Tenho um plano em mente. Nem todos os escritores fazem isso. Há muitos autores que conheço que preferem sentar-se e deixar correr o livro de forma orgânica.
Eu sou uma planeadora, gosto de ter os contornos gerais do livro prontos. Faço a pesquisa e depois preparo os contornos gerais e depois começo a escrever.
Dito isto, muitas vezes altero o plano à medida que avanço, uma certa personagem pode tornar-se importante ou posso mudar algo na forma como a história funciona, mas nunca altero o final que planeio, sei sempre para onde vou.
Acho que o tipo de escritor que não planeia acaba por ter de reescrever muitas vezes, fazer muita edição, enquanto eu não reescrevo. Trabalho muito e revejo à medida que avanço e, quando está pronto, não tenho de fazer quase nenhuma revisão.
- Há algum “click” que a leva a dizer que o livro está acabado?
Como estou a trabalhar com um plano, vou da página 1 ao final e deveria estar pronto, mas não é tão claro assim.
É difícil dizer em que momento ocorre, mas chega uma altura em que estou satisfeita com o livro mas não posso dizer que esteja acabado até que o meu editor o leia e me dê uma série de notas.
Quando chegar a casa, na próxima sexta [Nota: A autora referia-se ao dia 8 de Julho], tenho o relatório editorial do primeiro livro de Shadowfell à minha espera. E tenho de o ler mal volte à Austrália.
Não estou muito desejosa dessa parte. (risos)
- Qual foi o momento mais gratificante que já teve, como escritora, por parte dos seus leitores?
Há duas coisas que gosto particularmente.
Uma é quando um leitor me diz que ler os meus livros os encorajou a ler mais. Tenho leitores que não apreciavam ler há muito tempo, leram um livro meu e adoraram e, a partir daí, passaram a ler muitos mais.
A outra é quando alguém descobre os meus livros e começam a escrever as suas próprias histórias.
Adoro ouvir isso por parte dos meus leitores.
Infelizmente, como a autora estava no final de um longuíssimo dia de entrevistas, e ainda a sentir os nefastos efeitos do jet lag, a entrevista não pode ser tão longa quanto eu desejaria (e preparara).
Claro que a disponibilidade foi enorme e as restantes perguntas seguiram por email para a autora.
Assim que as respostas chegarem até mim poderão ficar com uma óptima segunda parte de entrevista. Pode ainda demorar um pouco (como leram na entrevista, a autora está cheia de trabalho) mas tenho a certeza que valerá a pena a espera para saberem ainda um pouco mais sobre Juliet Marillier!