A primeira descoberta que se faz com esta leitura é a da sagacidade com que Sara Rodi trata a História.
Tanto porque lhe adiciona parte da sua imaginação de forma imperceptível para a leitura, mas sem deixar que a ficção se confunda irremediavelmente com os factos, como porque sabe integrar o contexto da História sem
O livro poderia até ser transformado numa ferramenta de ensino atraente, desde que contextualizado.
Mas o prazer maior vem de algo que afectará as leitoras - e, neste caso, o género é importante - de maneira muito mais pessoal.
A protagonista do livro é um exemplo de pensamento feminino, e até femininista, que entra em confronto com a sua época e com alguns dos
Visto que se torna amante do rei, ganhou já uma liberdade de costumes que se prolongará para o seu pensamento.
As suas reivindicações e dúvidas falam, primeiro, dos seus desejos num tempo em que as mulheres os não deveriam ter.
A dimensão individual extravasa para a consciência social da sua época, para o papel da mulher evidentemente, mas ainda para o papel subjugado da própria Humanidade aos desígnios que a Igreja, por exemplo, tem sobre as pessoas.
Um domínio sobre o livre alvedrio de cada um ao impôr leituras muito estritas acerca dos fenómenos naturais, por exemplo, já que este é um tema que tocará directamente a vida de D. Teresa de Távora.
Em serviço desta ligação do mundo à sua volta e dos detalhes da sua própria vida está a escolha que Sara Rodi fez para o registo na primeira pessoa.
Muitas vezes tornada numa confissão, cria uma sensação de diálogo com o leitor, que receberá melhor a protagonista.
Uma mulher muito bem traçada, com defeitos e peculiaridades que poderemos censurar mas que aceitamos melhor como pontos de equilíbrio para uma mulher que surge como protagonista por ter sido amante do D. José I.
Mas cujo verdadeiro protagonismo neste livro é o de mulher em confronto - pelo menos, confronto próprio - com o seu tempo.
De sobremaneira, é por não ser perfeita e por a escritora não ter expugnado as suas faltas, que D. Teresa de Távora se torna uma guia tão interessante pelo século XVIII.
Não fosse por estar imiscuída com um lado mais sórdido do reino, não poderia a ficção inseri-la em tantos momentos relevantes e transformadores.
Pelo percurso desta mulher chegaremos a conhecer as tragédias que se abateram sobre Lisboa e sobre os próprios Távoras. As tragédias que haveriam de vincar o nome do Marquês de Pombal na memória colectiva.
Ela dá-nos uma visão da História com uma perspectiva de leitura histórica pouco habitual, o que faz com que o livro nos esclareça tanto quanto nos exige que reflictamos sobre o que se passou no período da vida desta mulher.
Dar protagonismo a uma amante é, de certa forma, entrar na História por uma porta lateral. Mesmo se, neste caso, se trata de uma porta que nunca esteve escondida.
Mas não importa por onde entremos, pois também essa porta lateral vai permitir que constatemos a magnificência do edifício que se ergue para lá dela.
Autor: Sara Rodi
Editora: Esfera dos Livros
Páginas: 304
Género: Romance Histórico